Sobre os Orixás


A minha família, é negra. Tem a mestiçagem, mais olhando para todas nós, vejo que somos negras. Mesmo minha irmã com a pele branca, é negra também. 
Mais levei 28 anos para entender a dimensão disso: da negritude que há em nós. Quando eu era criança, não podia usar o cabelo solto, e tinha que me comportar por que apesar de sermos negros "somos limpinhos" dizia mamãe.
E como ao longo da vida, todos os elementos que afirmam minha negritude foram negados ou recriminados, ora pela minha família, que reproduzia aquilo que foi dito a ela sobre o ser negro, ora pelos espaços sociais que transitei.
Não avalio que as coisas mudaram hoje, há uma aceitação maior sobre o negro, mais em tese, essencialmente a coisa continua do mesmo jeito, ou até pior.
Hoje os brancos, exigem que a gente que pode acessar o mundo perfeito deles, os tenha em devoção. Exigem fidelidade, aceitação e amor incondicional. Tal qual o Massa fazia com os escravos da casa grande: oh criolo, te tirei do chiqueiro que é a senzala, e deixei você comer meu resto aqui dentro da casa grande, então, seja devoto a minha pessoa. 
Nem todos os brancos são assim, a maioria, mais não todos. Existem brancos humanos que superam a barreira da cor e se portam como iguais, o problema, é que mesmo que individualmente, esses brancos tenham essa concepção de mundo, no grosso das relações sociais, eles sempre são beneficiados com os privilégios da cor.
Nunca vi um branco dizer: abro mão da minha chance por que este indivíduo negro é intelectualmente ou moralmente superior a mim, e o fato dele ser negro, não pode tirar esse mérito dele.
E acho que nem vou ver.
No meio de tanta coisa , de tanta confusão, de tanta pressão, conseguir se ver e se perceber, saber seu caminho ou ter força para construir um outro/novo caminho requer que se acredite que 400 anos de ancestralidade está viva e forte em cada indivíduo de pele e alma negra.
Moradia, alimentação, cuidado, sentimento, emoção: os orixás, o maior exemplo da nossa ancestralidade, é em todos nós, a realização plena de quem somos e de onde viemos. 
Sejamos ou não do candomblé, a nossa ancestralidade transcende a religião, a roupa,  o pensamento, o jeito que arrumamos o cabelo, as crenças que alimentamos.
São eles, na sua perfeição, que nos guiam e orientam em nossas vidas. Que permite, a nós pretos e pretas que sigamos, resistindo e construindo.
Essa semana, eu vi um filme, que contava a história do cara da foto no início da postagem, Jean-Michel Basquiat, um super artista plástico norte americano dos anos 80. Ele morreu aos 27 anos de idade, de overdose. Ele foi um gênio, simples assim! Quem ai já ouviu falar do Samo?
Quem ai já ouviu falar sobre a importância de Exú para a abertura dos caminhos, ou de que Oxum brigou para que as mulheres tomassem parte das decisões políticas, ou que Logun Edé é metade menino, metade menina. E cada um deles é uma forma de explicar o mundo e a forma como ele se constituiu?
Ser preto, é entender que você tem uma história, que sua tarefa é dar continuidade a ela, para que nossos gênios não morram pela heroína, e que nossa ancestralidade não vire fantoche cultural e modinha nas festas de branco na Vila Madalena.

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