Espelho, espelho meu...



Sempre que eu ando de trem, gosto de observar as pessoas.
Desde que escrevi o Post "No Brasil a pobreza tem cor, sexo e idade!" , fiquei pensando sobre a estética. 
No livro  " A situação da classe operária na Inglaterra" do Engels, ele descreve como vivem os operários nos bairros pobres da Inglaterra, em um capítulo ele descreve os operários fisicamente e dá detalhes dos malefícios do trabalho escaldante (jornadas de 16 horas diárias para os adultos e de 12 horas para as crianças) na constituição física e na aparência dos trabalhadores, sobretudo das mulheres.
Hoje no trem, fiquei imaginando o que Engels escreveria sobre a aparência das mulheres trabalhadoras (pq afinal, elas trabalham em média 18 horas por dia, entre o trabalho assalariado,o trabalho domestico,a maternidade e o transporte coletivo).
Veja, o ideal de beleza ensinado a muito tempo para meninos e meninas, desde os contos de fada, é ser branca, com cabelo liso, se possível de olho claro, jovem (se der pra ter peitão e bundão os homens agradecem). 
Existem alguns artifícios que podem fazer qualquer mulher bonita, porque afinal não existe mulher feia, existe mulher desarrumada  ,mesmo que ela trabalhe igual uma escrava e sofra com o calor no coletivo lotado na ida ou na volta entre sua casa e trabalho.
Fiquei olhando para as mulheres a minha volta, e pensando que de repente a forma como os programas de comédia retratam as mulheres pobres não é caricatura, pode ser real. Vi mulheres com o corpo deformado pela maternidade e pelo trabalho pesado (ao contrário do que as feministas da Gloss e Nova pensam, trabalho doméstico é bem pesado, por isso que elas pagam uma miséria pra outra fazerem o que é degradante demais para elas). Vi mulheres que tentam se enquadrar nesse padrão doentio de beleza - o padrão burguês), que compram roupas e sapatos da moda, usam maquiagem mesmo sem saber como usar os acessórios, se preocupam em manter seus cabelos lisos e tudo isso se torna cômico porque eu via mulheres descabeladas depois de um dia de labuta e com o rosto maquiado, derentendo de tanto calor, já que no trem, o ar condicionado nunca funciona.
Fiquei pensando porque fazemos isso? Porque nos desesperamos para alcançar esse padrão que nunca será nosso?
Hoje de tarde estava numa reunião, só com professoras doutoras, todas refinadíssimas em seus saltos, seus cabelos lisos e suas maquiagens perfeitas, e fiquei pensando na diferença entre os dois mundos.
Lembrei também sobre as luvas brancas: no período colonial e escravocrata no Brasil as damas que tinham condição de ter escravas, usavam luvas brancas como sinal de distinção e poder econômico  As luvas deviam estar sempre branquíssimas, pois quanto mais branca, mais evidente era que elas não realizavam o trabalho doméstico e portanto tinham posses para terem escravos domésticos.
Essa analogia da luva, me lembra muito a cena do trem e da reunião: obviamente as doutoras de maquiagem impecável, unha perfeita, saltos finíssimos são as mulheres da luva branca  e as trabalhadoras de maquiagem derretida as escravas. 
Porém, hoje estamos no capitalismo, a aparência é tudo: ninguém quer parecer escravo né mesmo. Então hoje, as escravas do Século XXI se esforçam para parecer com suas senhoras: se elas não sabem falar francês e comer um sushi, elas tentam usar a mesma roupa, o mesmo corte, a mesma maquiagem. E pensam, que assim, a fria distância entre o patrão e o trabalhador se desfaz na loja de departamento ou na concessionária de carro.
Nos falta espelho, para nos olharmos e vermos quem realmente somos, para descobrirmos quem podemos ser.
No fim, já dizia Engels em seu excelente livro de 1800 e algumas décadas: a diferença entre os proletários e a burguesia já começa no berço, e, eu acrescento:  só termina com a revolução.

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