Alguma coisa aqui dentro mexe

Da última postagem para hoje são quase 3 anos. 3 anos de uma longa e profunda mudança.
Quando comecei esse blog em 2014, o desejo era de desabafar sobre aquilo que me desabava, esse desejo ainda continua, e assim permanço.
Em três anos, muitas coisas mudaram: me divorcie, mudei de terreiro de candomblé, iniciei uma negócio, mudei de Estado, namorei e me separei de novo, comecei o doutorado, iniciei a terapia, comecei a estudar para ser psicanalista.
Me apaixonei perdidamente por um homem incrível, que não me quis.
Aprendi a me ver, a ver o outro e a me ver frente ao outro.


A terapia me trouxe lembranças sobre coisas que nem eu lembrava, que eu não queria lembrar.
A terapia me faz pensar sobre meu EU, sobre meu EU mulher, sobre meu EU mulher negra.
A primeira lembrança que a terapia me trouxe, foi de um dia aos 8 anos, quando pela primeira vez eu vi meu bicho papão.
Dali, daquele dia, o que ficou em minhas memórias, foram sequencias de sonhos sempre com uma luz de abajur vermelha e Tim Maia cantando e cantando e um forte cheio de cachaça.
Gritos, sangue, tumulto, choro, medo, pânico dor.
A minha primeira lembrança de menina, de menina negra, vem marcada pela culpa do prazer proibido e também do medo que o prazer me causava. Culpa essa, que carrego até hoje. Uma culpa sem nome, sem rosto, mas com muito peso e muita dor.
Minhas memórias infantis sempre falam sobre um prazer assustado, de choro baixinho e a frase: termina logo por favor.
Esse lugar tão central que a sexualidade ocupa em nossas vidas, que a experiêcia do contato com o outro para a consolidação do EU, na minha vida, e sei que na vida de muitas mulheres negras, vem marcado também pela cor, pelo racismo.
Muitas vezes me perguntei: não bastava ser mulher, tinha também que ser negra?
Um dia já adulta, já consciente de ser negra, não há muito tempo passado, eu quis ardentemente ser branca, ser o EU, ser o outro EU.
Nossa saga não é ser o EU? E de novo, o desejo de ser o EU, vinha marcado pela ausência que a racialidade me impunha.
As vezes, me parece que ser negra é uma eterna ausência, um eterno lugar sem fim, sem nome, sem desejo, sem vontade.
Brigo comigo todos os dias, e me convenço de que eu sou meu lugar, meu EU, meu outro, eu sou aquilo que me preenche, que me enche, que me deixa cheia.
A experiência racial ao longo da minha vida, me ensninou, que a nuance de ser dessa ou daquela raça serve muito mais como um espaço de tempo-controle sobre meu EU, projetanto sempre sobre mim o peso de ser o OUTRO.
O Outro desprovido de qualquer coisa me permita ser um EU, um alguém, de ser alguém.
Escrevo esse texto como quem se revê, não como alguém que se propõe, ou que propõe algo pra alguém.
Mas alguma coisa aqui dentro mexe. E se mexe, é por que precisa sair, ganhar mundo, ganhar vida.
Escrevo, não para niguém, mas para que talvez algum alguém.
Eu faço samba e poesia até de manhã.
Eu sou o meu ALGUÉM.
Eu sou aquilo que mexe, como qualquer coisa mexe. 


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Os 5 pilares da Educação Antirracista

Palestras sobre Libertação (Lectures on Liberation)

Recomeçar?