Recomeçar?



No ano que vem eu finalmente vou encerrar um ciclo de 5 anos que foi o doutorado. Na verdade, não foram 5 anos, foram 20 anos de jornada a acadêmica, desde a graduação na Unisantana de Pedagogia.

Antes de conseguir entrar e concluir o curso de Pedagogia na São Camilo, eu tentei por duas vezes fazer o curso de Pedagogia na Unisantana.

A última memória que eu tenho da Unisantana é de uma aula sobre psicologia da educação, a professora estava passando mal por que não podia ficar muito tempo sem comer, e eu estava desde as 5 horas da manhã com um pão na barriga. 

Aquilo me fez tão mal, que eu simplesmente não consegui voltar mais. Hoje sei que a angustia que eu senti, é o que eu chamo de neurose racial. 

Confesso que me sinto um pouco ansiosa com o fim do doutorado. O que vem depois disso? Como é a vida depois de 20 anos pelejando dentro da universidade? O que se faz? Pós doc? Concurso para dar aula? Outro doutorado? Um ano de descanso?

Eu não sei bem o que vou fazer, mais eu sei que quero descansar. Já pensou passar um ano lendo só literatura, filme, teatro, show, praia, pagode, Olodum e chamego no pé do ouvido? Eu nem sei se tenho roupa pra essa ocasião.

De um lado, uma parte minha anseia loucamente por isso, afinal, eu mereço ser feliz, por outro lado eu fico ansiosa em pensar que eu não vou precisar mais trabalhar tanto.

E essa ideia é profundamente assustadora, eu trabalho desde os 8 anos. Eu nem sei o que é não trabalhar e estudar ao mesmo tempo. Eu me sinto tão cansada, tão exausta, mental e emocionalmente. Não foi uma vida fácil.

Por outro lado, meus filhos estão grandes, quase adultos, eu tenho estabilidade no trabalho, consegui comprar minha casa, estou mental e fisicamente saudável. Talvez seja a hora de viver outras coisas além do trabalho.

Vai ser uma transição muito grande e tenho muito medo de não conseguir virar essa página da minha vida e me possibilitar viver outras experiências sem me apegar ao passado, ao modo de vida onde é preciso muito esforço e sofrimento para conseguir pagar as contas.

Não é horrível pensar isso? Que não vou conseguir aceitar o resultado do meu esforço nos últimos 30 anos? 

Tudo que eu penso é que deve ser possível viver de um modo mais livre e feliz, que é possível viver uma vida cheia de amor, conforto e segurança e que isso não é um privilegio, mais resultado de todo o esforço sobre humano que eu tive que fazer até aqui.

Não quero com isso alimentar o discurso da meritocracia, isso não é verdade, não vejo como mérito, mas como colheita de tudo que eu cultivei por anos.

Ainda é confuso isso pra mim, mas tudo que eu sei é que eu estou pronta  todo o amor e felicidade que vou viver nos próximos 38 anos.


Por Jaque Conceição

Ilha do Desterro, Setembro/23


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